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Sobre a consciência

A consciência é uma superfície.  A superfície de um lago.  Ela reflete as nuvens, o céu, as árvores que crescem à sua margem, e mesmo os pássaros em seu voo rápido.   Superfície ... espelho. Na consciência, superfície do lago, vivem os saberes. Saberes são reflexos do que existe lá fora, no mundo:  eles nos dão a ciência do mundo.  A ciência é a totalidade das imagens do mundo que aparecem refletidas na superfície da consciência.  É aí que nascem as palavras de que se vale a ciência – os conceitos.  No mundo da ciência e da filosofia, os conceitos são imagens especulares (especular, de speculum, espelho) da realidade.

Mas os reflexos tem o efeito de tornar invisíveis  as criaturas das profundezas  Quanto mais perfeito o espelho, quanto mais visíveis as coisas que ele reflete, quanto mais invisíveis as criaturas que nadam nas funduras do lago.  Note o parentesco entre reflexo, coisa de espelho, e reflexão, coisa de pensamento: reflexão é pensar os reflexos. Mas aí o nadador mergulha na profundeza das águas e um outro mundo, completamente diferente, aparece: peixes coloridos, algas, plantas, restos de naufrágio.  Mundo que a clareza e distinção dos reflexos, conceitos, não deixava ver.  É um mundo que só se torna visível quando se rompe a superfície. As águas profundas são o corpo.  A psicanálise fala de “inconsciente”.   Inconsciente é o lugar onde mora a sabedoria, os saberes que o corpo sabe, sem que deles a consciência tenha consciência.  Por isso eles não podem ser ditos.  Na profundeza das águas, tudo é silêncio.

"A sabedoria é a arte de reconhecer e degustar a alegria" - Rubem Alves

(de “Variações sobre o prazer” – Rubem Alves – Editora Planeta, 2011)

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